Nem só de diversão vivem os games. Conheça o lado negro da indústria.
Ah, os video games. Paixão de milhões ao redor do globo, responsáveis por fazer inúmeras crianças e adolescentes — além de vários adultos — pensarem em seguir carreira em algum tipo de profissão relacionada a eles. Game designer, programador, artista, escritor, ator, dublador... As possibilidades são inúmeras, já que uma mesma pessoa pode ter vários talentos e agrupar várias habilidades; e, consequentemente, várias posições diferentes dentro de uma equipe.
Mas, ao contrário do que muitos imaginam, nem só de riso e diversão é composta a indústria de jogos eletrônicos. Nela também existe cobiça, traição, enganação, brigas, xingamentos e muita discussão. Alguns casos poderiam até mesmo serem revividos por personagens de novelas da Globo, sem nenhuma modificação de seu desenrolar, e o encaixe ainda assim seria perfeito.
Esse tipo de coisa ocorre em qualquer profissão, obviamente. Qualquer tipo de atividade que envolva o convívio humano terá conflitos de interesses, e mesmo quando todos possuem um mesmo objetivo é possível encontrar diferenças grandes o suficiente para gerar atrito. Basta olhar, por exemplo, o caso de trabalhos em grupo na escola/faculdade. Todos querem que o resultado final seja o melhor possível, mas nem por isso é fácil chegar lá.
Pior, muitas vezes o grupo chega lá e a coisa desanda apenas quando o trabalho já está terminado. Nesse caso, a coisa é menos prejudicial, mas não menos destrutiva. Após essa breve — eufemismo, obviamente — introdução, passemos a alguns dos casos mais famosos da indústria de games que revelaram os bastidores e fizeram com que os envolvidos, literalmente, lavassem roupa suja em público.
Activision e Infinity Ward
Um dos maiores e mais recentes
A coisa toda começou com rumores de insatisfação por parte de alguns dos líderes da Infinity Ward. Muitos especulavam sobre um possível rompimento da parceria entre as empresas — parceria essa que teve como seu mais recente produto o bombástico Modern Warfare 2. Daí para a frente, o relacionamento entre os envolvidos foi por água abaixo... E tribunal acima.
No dia 1º de março, Vince Zampella e Jason West foram demitidos da Infinity Ward pela Activision, sendo que a justificativa foi bastante vaga: “quebra de contrato e insubordinação”. Os dois ex-funcionários revidaram, afirmando que deveriam ter recebido royalties, derivados de produtos criados pelas companhias, semanas antes de toda a confusão.
Discussão para lá, discussão para cá... E ninguém cede. Nada mais natural, portanto, que a coisa toda vá parar nos tribunais. No dia 3 de março de 2010, Vince Zampella e Jason West entraram com uma ação contra a Activision Publishing, Inc. Nela, pedem a análise por parte de um júri do caso em questão, no qual alegam que houve quebra de contrato, quebra de acordo celebrado em boa-fé e demissão injusta.
Como é possível ver na imagem do documento acima, a sessão para dar prosseguimento ao caso está marcada para o dia 21 de junho deste ano. Ou seja, ainda vai levar um bom tempo até que a situação toda seja resolvida. Tempo esse que, segundo o diretor financeiro da Electronic Arts — John Schappert — seria bem melhor empregado na criação de outros excelentes produtos.
A alfinetada partiu de Schappert durante um painel da GDC — Game Developers Conference, uma feira que reúne os principais criadores de jogos eletrônicos — no qual ele exaltou as qualidades de Zampella e West, afirmando que são pessoas excepcionais e dois dos melhores líderes criativos do meio. Além disso, disse que está desapontado com todo esse imbróglio jurídico e que, no final das contas, não haverá vencedor.
O desapontamento é tal que o executivo da EA elogiou o mais recente título da Infinity Ward, explicando que Modern Warfare 2 é um excelente jogo e o maior lançamento já visto na indústria de games. E que agora a franquia Call of Duty deverá superar alguns desafios para assegurar seu futuro — que receberá concorrência em breve, com o Medal of Honor da EA.
Take-Two e 3D Realms
Há quase um ano, outra confusão
Duke Nukem Forever é o eterno campeão em competições de “vaporware”. Isso significa que uma enorme parte do público já nem acredita mais que o jogo vá ser terminado algum dia e que o vejamos nas prateleiras. No entanto, isso não significa que não está em desenvolvimento ou que não existam problemas relacionados às ações dos diferentes envolvidos no processo.
Em maio do ano passado, 2009, começaram a surgir rumores sobre o fechamento da 3D Realms, empresa responsável pela criação do título. Cutuca daqui, cutuca dali... Após vários dias, a Take-Two — empresa que possuía os direitos de distribuição do game — afirmou que não responderia a rumores e que não estava participando ativamente do desenvolvimento, sendo apenas responsável por publicar Duke Nukem Forever.
No entanto, mais alguns dias se passaram e surgiu um processo judicial, iniciado pela Take-Two, contra a 3D Realms, acusando esta última de enrolar e atrasar o desenvolvimento do jogo durante anos, desde 1997. Disse também que havia gasto mais de doze milhões de dólares em direitos de distribuição de um jogo que nunca viu a luz do dia.
A 3D Realms rebateu, afirmando que os direitos foram comprados da Infogrames, empresa que os possuía anteriormente, e que nunca viu nem um centavo desse montante. E reiterou que estava trabalhando em Duke Nukem Forever e continuaria a fazê-lo. Esclareceu ainda que os rumores de fechamento da empresa surgiram quando esta foi forçada a demitir sua equipe de desenvolvimento após uma mudança nas negociações com a Take-Two e uma falta geral de investimentos no projeto.
Acelerando um pouco mais à frente, em junho de 2009 a Apogee — companhia que é dona da 3D Realms — disse que continuaria a trabalhar no projeto, de outras formas. Até o início deste ano, as informações que surgiram foram que a 3D Realms ainda pretende lançar títulos da franquia em breve, embora ainda não Duke Nukem Forever, e que o fará através de diferentes desenvolvedores externos, terceirizados.
Activision e Double Fine
Já não vimos uma dessas empresas nesse artigo?
Em outro problema legal — nada que ataque diretamente a imagem da empresa, companhias enormes sempre se envolvem em inúmeros conflitos de interesses — a Activision tentou bloquear, no meio do ano passado, o lançamento do aclamado Brütal Legend; mesmo depois de ter abandonado o interesse no desenvolvimento do game após a fusão com a Blizzard e o desaparecimento da Sierra.
Como é de praxe no país dos direitos individuais, a Activision entrou com um processo contra a Double Fine, responsável pelo desenvolvimento do game, alegando que ainda possuía direitos sobre a obra. No entanto, os criadores do jogo já haviam assinado um novo contrato de distribuição com a Electronic Arts após terem sido “abandonados” pela distribuidora anterior, e já possuíam até mesmo data de lançamento prevista.
Irritados com a tentativa, os chefes da Double Fine revidaram com um outro processo contra a Activision, alegando que esta última estava tentando bloquear o lançamento do game para que não houvesse concorrência com o lançamento de seus títulos da franquia Guitar Hero. Disseram também que a Activision havia tentado converter Brütal Legend em um jogo musical ao estilo de sua famosa franquia, e quando não conseguiu decidiu cancelar o desenvolvimento do game, em 2008.
No final das contas, todos sabemos o resultado final: Brütal Legend foi lançado e muito bem recebido pelo público e pela crítica, resultando em bons dividendos para seus criadores e apoiadores — enquanto a Activision ficou a ver navios... Navios carregados de tesouro que navegaram para bem longe.
Por que?
Não podemos todos ser amigos?
A resposta é simples: não. A indústria de video games é composta pelos tipos mais diferentes de pessoas, empresas e grupos. Desde aqueles que estão procurando criar títulos livres e gratuitos, com a colaboração de todos, até empresas investidoras gigantescas que querem gerar lucro — essas últimas é que possibilitam a criação dos grandes “blockbusters” que tanto amamos, como Modern Warfare 2.
Ou seja, não há vilões ou heróis como frequentemente vemos nos produtos desse meio. Existem diferentes interesses em jogo e as pessoas envolvidas nos processos podem tomar decisões certas ou erradas — o problema é quando os erros acabam gerando prejuízos milionários.
Para o bem ou para o mal, as práticas atuais parecem estar funcionando razoavelmente bem, se analisarmos os resultados financeiros das inúmeras empresas que operam no setor. Isso contrasta radicalmente com a era pré-crise dos games, nos anos 80, em que as práticas corporativas e de negócios levaram a uma destruição sem precedentes da indústria de jogos eletrônicos.
Conflitos sempre existirão, embora façamos de tudo para minimizá-los. Do lado dos consumidores, no qual estamos, o que queremos são jogos cada vez melhores e a grande maioria do público nem presta atenção ao que ocorre nos bastidores. Porém, os eventos de fundo sempre influenciam no resultado final. Duke Nukem que o diga, tendo passado de um sucesso estrondoso a motivo de piada. Coisas que acontecem...
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