“Ao final de um trabalho desgastante, há uma mistura de sentimentos: sensação de dever cumprido, alívio. Depressão.”
Alan Wake era, no início do título original, apenas um escritor bestseller com bloqueio criativo. Nada que uma rápida viagem a uma cidade interiorana, com seu clima bucólico e hospitaleiro, não pudesse resolver. Afinal, um lugar pitoresco deveria ser suficiente para inflamar mesmo os espíritos mais estéreis.
Só que algo parece ter escapado ao controle. Alan Wake acabara mergulhando em uma espiral descendente, tornando-se um joguete nos tentáculos de um mal sem substância própria — inconveniente que era facilmente resolvido com carros, colheitadeiras, troncos de árvores e, é claro, seres humanos.
Qualquer um que tenha jogado o primeiro título deve ter percebido: o clima de metaficção (uma ficção que fala sobre outra ficção), reinante em Alan Wake, é um convite aberto para continuações — tal qual um sonho dentro de outro sonho, dentro de outro sonho... Ponto para a Remedy nessa concepção. Dessa forma, o capítulo adicional oferecido na forma do DLC (conteúdo para download) The Signal soa como uma revisita natural, embora não sem algumas pontas soltas.
Mas nem tudo termina na história. Juntamente com a continuação da trama enviesada, também retorna para The Signal a jogabilidade tão característica de Alan Wake, com câmeras rápidas e de ação cinematográfica, horrores que despontam de todos os lados e uma mecânica de jogo que ainda parece ter muito gás para dar — embora beba abertamente da mesma fonte de Max Payne, também da Remedy.
Então The Signal descansa sobre os louros do jogo original? Não inteiramente. The Signal encerra uma releitura própria dos elementos que fizeram da matriz original um sucesso respeitável de crítica. Em suma: novas ameaças, novas formas de dar sustos. E também novas formas de expurgar a “Presença Maligna” da mente tortuosa do escritor.
Aprovado
Está tudo na sua cabeça...
The Signal é o primeiro naco de história adicional sobre o infausto escritor que empresta o nome ao título — em algum momento, deve surgir também The Writer, sobre o qual muito pouco se sabe até o momento. Aqui (possível spoiler adiante!), você assume o controle de Alan pouco depois da apoteose que fechou a história no jogo original.
Sem maiores explicações, o protagonista se vê diante da mesma cena que iniciou o jogo original. Mas algo está diferente. Os personagens estão alterados. Translúcidos. Quase transparentes. Há algo de errado com as suas vozes também: em determinados trechos, ficam distorcidas e mal se pode perceber o que realmente disseram.
Nesse momento, você simplesmente segue o mesmo fluxo do início do jogo original: uma conversa descartável com a garçonete que é também fã fervorosa de Alan Wake; outro papo rápido com os enigmáticos (ou simplesmente doidos) irmãos Anderson — você novamente vai ligar a vitrola, que dessa vez não vai funcionar corretamente. Em seguida, Cynthia Weaver vai novamente adverte-lo sobre os perigos da escuridão — bem, nesse momento, você já deve saber que ela não é simplesmente alguém que sofre de nictofobia (medo do escuro), certo?
Entretanto, em vez de encontrar a misteriosa mulher que entrega as chaves da cabana em Cauldron Lake, Alan encontra nos fundos da lanchonete o seu guia durante o primeiro jogo, o escritor Thomas Zane. Nesse momento — com certeza um dos pontos altos da história —, Alan fica sabendo que tudo em volta é uma manifestação da sua mente febril de escritor.
Thomas adverte: “Não adentre mais! Eu não vou conseguir alcançá-lo! Siga o sinal”. E está dado o início de um pesadelo que dura, aproximadamente, três horas — dependendo da sua habilidade, naturalmente.
A arquitetura dos sonhos
Um dos pontos altos de The Signal é a nova estética de Bright Falls, cuja arquitetura reflete diretamente os altos e baixos da mente instável de Alan Wake. Isso vai ficar evidente assim que você deixar a lanchonete — que é onde tudo começa: em vez de continuar pelo ambiente urbano que o cenário anterior sugere, Alan mergulha diretamente nas entranhas da tenebrosa floresta contígua a Bright Falls, palco da maior parte dos horrores do jogo inicial.
Em seguida, novamente sem maiores explicações, você encontrará a cabana de Cauldron Lake, desta vez completamente destroçada. A explicação é simples: a arquitetura dentro dos sonhos não precisa necessariamente seguir leis de espaço ou contiguidade. Conforme adentra o cenário do jogo, Alan experimenta o caos reinante em sua própria mente conturbada.
Mas, contando com a consciência desenvolvida anteriormente — além do fato de saber que navega através dos seus próprios pesadelos —, Alan torna-se também capaz de enxergar a realidade em volta de forma menos deslumbrada. Prova disso são as palavras que agora flutuam através das fases —quem fechou o primeiro título sabe o que isso significa.
A fim de materializar itens, armadilhas, estruturas de cenários e até mesmo os inimigos, Alan precisará jogar um facho de sua poderosa lanterna sobre eles — o que traz novas possibilidades para a jogabilidade de Alan Wake, conforme se verá adiante. De fato, uma inovação estética à altura do primeiro jogo.
Hora de expulsar a presença maligna
Embora se mantenha basicamente a mesma, a jogabilidade de Alan Wake incorporou alguns elementos em The Signal; elementos que não apenas renovam a experiência do jogo, como também complementam a história que embala as coisas no DLC (conteúdo para download).
Uma das maiores novidades, conforme colocado no tópico anterior, vem da necessidade de se iluminar palavras soltas espalhadas pelo cenário, a fim convertê-las em elementos concretos. Ok, uma primeira impressão talvez não revele a extensão disso. Entretanto, o potencial ficará bastante claro assim que você tiver que atravessar um trecho de floresta atulhado da palavra “enemy” (inimigo). O raciocínio é óbvio: caso não controle o facho da sua lanterna, Alan terá sérios problemas.
Mas também existem elementos estratégicos na nova mecânica. Por exemplo, pode haver em um descampado a palavra “boom!”; quer dizer, é só esperar que alguma abominação se aproxime e, bem, “boom!”. Em outro momento, uma fornalha poderá disparar labaredas quando iluminada, e mesmo algumas pontes do jogo devem ser “criadas” de forma semelhante.
Memórias...
Em certos momentos durante o jogo, a palavra a ser iluminada pela lanterna de Alan é “memory” (memória). Não, isso não traz flashbacks semelhantes aos do primeiro jogo. Iluminar uma memória fará com que pessoas importantes na vida do escritor apareçam no próprio local — embora na mesma condição translúcida dos frequentadores da lanchonete.
Algumas lembranças são simples recordações de desventuras prévias — como o trecho coadjuvado pela xerife Sarah Breaker, no qual a dupla adentra a igreja de Bright Falls. Entretanto, outras são realmente inéditas dentro do game, como o trecho em que Alice ordena poses e bate fotos de Alan — imagens que serão utilizadas no material publicitário que se vê pela cidade, anunciando o novo livro do escritor.
Reprovado
Qual era mesmo a ligação?
A história do Alan Wake original é excelente. A trama de The Signal também se desenrola de forma densa e, de certa forma, surpreendente. O problema é que a ligação entre ambas acaba ficando meio débil. Quer dizer, ao considerar o final aberto do jogo principal e o início do DLC, onde exatamente fica a ligação? Olhando por determinado ângulo, a impressão que fica — ao comparar as duas histórias — é a de um todo um tanto desarticulado.
O legado de “Night Springs” é... Um despertador
Embora a trama central de Alan Wake mantivesse constante a tensão típica de um clima de horror, havia também bons motivos para se explorar os cenários: locais secretos para desvendar, trechos do único programa de rádio local — com um radialista cada vez mais aterrorizado pelo caos que se instala em Bright Falls — e, é claro, as bizarrices do programa “Night Springs”, uma paródia clara da série televisiva “Twilight Zone” (“Além da Imaginação”), que podiam ser acompanhadas em televisores abandonados pelas fases.
Bem, não existe nada sequer parecido com isso em The Signal. Na verdade, o único elemento que você poderá coletar aqui será um singelo relógio despertador. Ok, o conceito é pertinente: Alan deve acordar e com isso espantar as monstruosidades que habitam os seus pesadelos. O problema é que não existe nenhuma motivação extra para que você saia catando relógios. Enquanto os itens colecionáveis do título original adensavam a história, aqui eles representam apenas um desvio incômodo na história.
Barry, o que fizeram com você!
O agente de Alan Wake, Barry, representava o núcleo cômico e nonsense do primeiro título. Um respiro bem-vindo para a tensão constante da história. O problema é que em The Signal a entrada do personagem é um tanto truncada.
Ele á parte da memória de Alan, e vai acompanhá-lo durante algum tempo, fazendo piadas bem semelhantes às do jogo original — simplesmente porque alguém, aparentemente, ficou receoso de limá-lo de uma participação semelhante. Barry aqui aparece apenas como um elemento heterogêneo, que acaba até mesmo prejudicando o clima geral do DLC.
Vale a pena?
The Signal é um convite à mente febril e perturbada de Alan Wake; um universo de sonhos onde tudo é parcial ou completamente subvertido: espaço, tempo, relações de causa e efeito — cujo epítome se pode encontrar no terreno abarrotado de postes de luz, que estão ali sem nenhum motivo em particular. Trata-se de uma proposta distinta e até mais excêntrica do que a encontrada no jogo original.
Os novos elementos estratégicos da jogabilidade também tem seu charme: palavras soltas do cenário são convertidas em elementos concretos quando em contato com o facho de lanterna de Alan. De fato, nem mesmo a ligação um tanto nebulosa entre a história principal e a trama de The Signal é capaz de afastar a oportunidade óbvia: experimentar um pouco mais do ambiente vertiginoso e criativo de Alan Wake. Dessa forma, seja mais uma vez bem-vindo a Bright Falls.
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